Fernanda Ribeiro, Janine Rodrigues e Jéssica Cardoso buscam transformar a realidade à sua volta por meio de startups
“O crédito é negado quatro vezes mais para um empreendedor negro comparado ao empreendedor branco, exatamente nas mesmas condições”, revela Fernanda Ribeiro, mulher preta e fundadora do banco digital Conta Black.
Segundo a Global Entrepreneurship Monitor (GEM), o Brasil se encontra em 7º lugar na lista de países com mais empreendedores. Dentro desta estatística, destaca-se que 51% dos empreendedores brasileiros são mulheres, sendo 47% delas pretas. No entanto, as dificuldades para uma pessoa preta abrir uma startup são muito maiores do que para brancos.
Jéssica Cardoso chegou a sentir na pele estes empecilhos ao criar a InterPrêta:
“Enquanto mulher preta, as dificuldades se ampliam muito mais. Foi uma inserção bem complicada e difícil, de olhar para uma mulher preta e ver ela à frente de um negócio. É preciso bater em muitas portas, ter muitas conversas, quebrar muitos paradigmas, porque a gente vem de uma sociedade na qual, estruturalmente, o homem tem a voz, a possibilidade”.
Depois de dez anos trabalhando como assistente social, Jéssica percebeu que seu trabalho não era valorizado e nem bem remunerado. Além disso, ela se deu conta da falta de acessibilidade que pessoas surdas enfrentam em Florianópolis (SC). Assim, decidiu criar sua própria empresa com duplo impacto social: ajudando a comunidade surda a se integrar socialmente e inserindo mulheres pretas no mercado de trabalho com o devido reconhecimento.
Janine Rodrigues procurou fazer a mesma coisa, mas através de uma startup focada na educação: a Piraporiando – Educação para a diversidade. “É um negócio de impacto social, que trabalha com experiências, conteúdos e vivências que acreditam que a diversidade transforma a educação. Quanto mais diversa a educação, menor a probabilidade da gente desenvolver preconceitos e discriminação. Se eu entendo que você tem a sua cultura, a sua conjuntura e subjetividade enquanto indivíduo, mais eu vejo que você é tão importante quanto eu”, explica.
Apesar de terem focos diferentes, a Conta Black, a InterPrêta e a Piraporiando têm um objetivo em comum: promover a inclusão da comunidade preta na sociedade e melhorar as condições econômicas dessa população, que também sofre economicamente com os efeitos do racismo estrutural.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2019, das 40,6 milhões de mulheres pretas no Brasil, apenas a metade está no mercado de trabalho, sendo que 5,7 milhões se encontram no setor informal. “A população preta é, de fato, empreendedora nata. Mas a maioria são microempreendedores e empreendedores autônomos, e existe um dado que fala que esses negócios estão fadados a morrer num prazo de dois anos”, comenta Fernanda Ribeiro.
Diante deste cenário, ela ressalta a importância de se criar políticas afirmativas para promover a sustentabilidade financeira desses negócios. Neste sentido, a Conta Black incentiva o Black Money, conceito que surgiu nos Estados Unidos e significa manter o dinheiro dentro da comunidade preta pela maior quantidade de tempo possível, a fim de fomentar o empreendedorismo negro como um todo, gerar essa circulação econômica e promover trabalho e renda para pessoas pretas. “A nossa população começa a olhar esse formato de empreendedorismo como uma oportunidade de preencher uma lacuna não atendida pelo mercado”, explica.
Janine Rodrigues destaca o mesmo problema da diferença entre a quantidade real e a representação de pessoas pretas desde o viés educacional:
“A gente tem a ‘Trilhas da Diversidade’, uma formação em letramento racial, educação antirracista e promoção de equidade de gênero para empresas e escolas. Porque a gente precisa ver urgentemente mais mulheres, negros, ciganos, indígenas e mulçumanos em lugares de tomada de decisão.
Ela destaca ainda que, no Brasil, é preciso falar mais de pluralidade e proporcionalidade do que representatividade.
“Em um país com 56% da população negra, ter só uma pessoa representando toda essa população basta? Não basta, a gente tem que falar de proporcionalidade”.
Pensando nessa questão, Jéssica Cardoso diz acreditar na construção de uma melhor qualidade de vida para pessoas pretas através do respeito e de pequenas atitudes. “Da trajetória que eu venho, onde o racismo foi muito cruel, me bateu de muitas formas e foi uma dor silenciosa que foi me corroendo por dentro, eu fiquei muito tempo silenciada. Foi só me reconhecendo enquanto mulher preta, reconhecendo a minha potência e a das pessoas que estão ao meu redor, que tudo isso se transformou num grande propósito de vida, e hoje eu vejo que eu não estou caminhando sozinha”, conta.
De fato, os membros da comunidade preta vem buscando beneficiar-se como uma forma de suprir demandas não atendidas pelo mercado e empoderar-se mutuamente, como mostra Fernanda Ribeiro através do Black Money. No entanto, esta é uma discussão recente, que já foi precedida por outras demonstrações desta intencionalidade, como o surgimento das primeiras fábricas de bonecas negras, de cosméticos para cabelos e pele pretos e até de toucas de natação para cabelos étnicos e volumosos.
A CCO da Conta Black procurou atender a estas demandas em seu próprio negócio pensando no acesso à tecnologia disponível para estas pessoas. Segundo uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet do Brasil de 2020, 81% da população com mais de 10 anos têm internet na residência – no entanto, este número não reflete a totalidade dos brasileiros, já que apenas 64% dos usuários das classes D e E possuem internet em casa. Nas escolas públicas, a porcentagem de acesso à web cai para 32% no ensino fundamental, e se mantém nos 65% para alunos do ensino médio. Dados do IBGE de 2021 mostraram que a proporção de pretos e pardos na pobreza é o dobro em relação ao número de brancos.
“Quando a Conta Black surgiu em 2017, nós não começamos inicialmente com um aplicativo, mas com um desktop, porque a gente tinha esse olhar para a qualidade da internet e do armazenamento de dados. O nosso público nem sempre tinha um celular de última geração que pudesse baixar mais um aplicativo”
Como utilizar a tecnologia a favor do cliente? Esse foi o princípio do modelo de negócio da Conta Black. “Hoje, estando nos 26 estados do Brasil, a gente percebe que os desafios aqui em São Paulo são totalmente diferentes dos no Norte e no Nordeste no que tange acesso à internet”, comenta Fernanda.
Com negócios que procuram “nadar contra a maré” e oferecer melhores oportunidades para a população preta, Fernanda Ribeiro, Janine Rodrigues e Jéssica Cardoso criaram startups de impacto social, seja na vida financeira, educacional ou laboral da comunidade.
Com um caminho doloroso, elas procuraram criar negócios de impacto social a fim de resolver uma dor que sentiram na pele. Mesmo vivendo em um país extremamente preconceituoso, homofóbico, racista e misógino, Janine reforça: “O verdadeiro empoderamento dessas ditas minorias é um caminho sem volta, não tem mais como retroceder. Então esse questionamento sobre a marca que eu consumo, se ela dialoga com os meus valores, precisa acontecer com cada vez mais intencionalidade e responsabilidade, para a gente sair da utopia, do romantismo, e ir para a prática. A gente tem pressa, eu tenho pressa”.