Estilista Day Molina cria marca capacitando jovens indígenas da América Latina, defendendo a sustentabilidade têxtil e identidade indígena
Cerca de trezentos campos de futebol lotados de resíduo têxtil ocupam o deserto do Atacama, no Chile. Um gigantesco lixão a céu aberto, utilizado por diversos países para descartar os resíduos da indústria da moda do fast-fashion, que lança e rejeita tendências numa velocidade cada vez maior. O Brasil não se encontra tão distante desse cenário. Segundo levantamento divulgado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), em 2019, 170 mil toneladas de todo o lixo produzido no país vêm da indústria da moda.
É em meio a essa urgência ambiental que a loja de roupas e adereços sustentáveis Nalimo chega ao mercado. Com uma equipe 100% feminina composta por mulheres racializadas, imigrantes e LGBTQIA+, o propósito é causar impacto ambiental positivo utilizando a tecnologia para desenvolver as roupas. A marca foi idealizada por Day Molina, ativista indígena da etnia fulni-ô e estilista.
Moda, luta e identidade indígena
Aos dezenove anos, desejava ver e ser vista. No entanto, era cercada por olhares coloniais que a amarravam a estereótipos “exotificados”, como define. Abraçou, então, a moda como um espaço que construísse a representação do que nunca lhe fora revelado e como “uma ferramenta de luta”. Conta que a retirada do olhar daquilo que dita os padrões de estilo e estética é determinante para que as mulheres indígenas percebam outros elementos que as constituem. “Entramos num processo de abraçar a nossa ancestralidade, nossa identidade, nossa origem”.
No meio da pandemia, criou o Coletivo Indígenas Moda BR que logo se transformou no Coletivo Indígenas Moda Latinoamérica para que a moda originária fosse abarcada em todo seu espectro no continente. “Acreditamos que toda a América Latina, por conta desse processo colonial, sofreu muito com a falta de representatividade. Precisamos abraçar esses irmãos também”.
Na intenção de ampliar ainda mais a capacitação de mulheres indígenas para o mundo da moda, criou a Aldeia Criativa Design do Futuro, que planeja formar cem jovens para esse mercado, em específico, por ano. “Eu quero ser para essas mulheres, tudo aquilo que eu acredito que a sociedade não foi pra mim”, diz.
Hoje, a escola se faz presente virtualmente em muitos territórios do Brasil e da América Latina. Day deixa claro que não aceita espelhar, sozinha, toda a cultura indígena, que é múltipla e abundante.
“Eu sempre lutei para não ser o 1%. Acho muito tenso a gente se enxergar numa sociedade a partir de uma única perspectiva. Toda essa relação com a moda me levou para esse lugar coletivo”.
A inovação, para ela, vem através da criação de possibilidades. E, para isso, utiliza-se da tecnologia para criar redes de aprendizado feminino e encontrar novas formas de ser sustentável. Apenas dessa maneira acredita que a sociedade pode se tornar em um lugar mais justo e ambientalmente saudável. “Eu acredito em mulheres e eu quero ver o mundo cheio de mulheres incríveis liderando vários espaços. Eu não aceito menos que isso”, finaliza.
Texto: Maria Edhuarda Gonzaga / Entrevista: Patricia Travassos
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