Conheça a história de duas healthtechs que surgem a partir do combate à violência contra a mulher
No ano de 2022, uma mulher foi vítima de violência a cada quatro horas. Dos 2423 casos estudados pela Rede de Observatórios da Segurança, 495 foram notificações de feminicídio. Sejam físicas ou sexuais, a porcentagem do Brasil em comparação com a média global das agressões enfrentadas pelo sexo feminino é bem destoante: os 27% deste sobem para 33,4% daquele, trazendo enormes impactos para a saúde mental e física. A pesquisa, guiada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, analisou mulheres a partir dos dezesseis anos.
Tatiane Pimenta, fundadora da Vittude, startup de saúde mental que facilita o acesso ao processo psicoterapêutico através do digital, se viu frente a essa realidade ao contar sobre seu passado de violência doméstica. “Eu percebi, naquele momento, que estava diante de um auditório que metade das mulheres que estavam ali tinham passado por algum tipo de situação. É um assunto que a gente precisa pôr em pauta porque ele acontece. Eu achava que não, porque eu me via como uma pessoa privilegiada e achamos que isso acontece longe da gente, mas aconteceu dentro da minha casa”, relata.
Foi a partir daí que entendeu a necessidade de criar conexão com o público através da própria vivência e de falar sobre esse problema comum a muitas mulheres. Há um ecossistema de pessoas afetadas após episódios ou períodos de agressão. Expor esse fato eleva a discussão a um novo lugar: como falar abertamente para impedir que isso aconteça a mais pessoas? E, indo além, o quanto isso impacta a vida de todos ao seu redor? Tatiane ainda traz a perspectiva dos negócios e do desempenho no trabalho.
“[A violência] Impacta, inclusive, as empresas, porque eu estava dentro de uma quando isso aconteceu. Era uma funcionária que performava bem e que, diante de uma situação dessa, teve um impacto emocional na vida.”
Falar sobre esse momento mostra-se fundamental para compreender sua caminhada no empreendedorismo desde então. Afinal, a Vittude nasce depois que a empresária entendeu que talvez outras mulheres e pessoas em geral pudessem ter a mesma dificuldade de procurar ajuda após um acontecimento traumático. A vergonha de falar sobre o caso, a dificuldade de admitir o que aconteceu e também o desconhecimento de como encontrar um psicólogo foram questões que a motivaram a criar a empresa que, de início, não via como sendo um projeto de impacto social.
Foi apenas em 2018, em um programa de aceleração do Facebook, que a designaram dessa forma. Mesmo assim, Tatiane conta que a geração de capital não deixa de ser uma parte essencial da equação. É com ele ao lado que os investidores aumentam seus aportes e a startup consegue escalar sua atuação, alcançando cada vez mais pessoas. “O lucro é um item muito importante se eu quero trabalhar impacto. Se eu quero chegar mais longe, é preciso ser lucrativo”, finaliza.
Combate à violência obstétrica motiva startup
Healthtechs lideradas por mulheres por vezes se entrelaçam com um propósito que visa unir rendimento financeiro com uma lacuna de direitos presente no universo feminino. Esse também é o caso de Lettycia Vidal, doula e publicitária de 26 anos que criou a Gestar, plataforma digital que combate a violência obstétrica, ainda na faculdade.
Desde os treze anos ouvia relatos de mulheres e amigas próximas, inclusive sua própria mãe, que descreviam todas as características de uma violência obstétrica: restrição da presença de acompanhante, procedimentos médicos não consentidos, violação de privacidade, recusa em administrar analgésicos e agressão física e verbal são só alguns dos elementos que configuram o crime e foram enfrentados por elas durante o momento do parto.
Somente aos dezoito que foi conhecer uma nova realidade: sua prima deu à luz sob condições respeitosas, no chamado “parto humanizado”. Até então, Lettycia nutria pouco desejo de ter filhos, por medo de passar pelas mesmas violências das vítimas do seu ciclo social. “Eu descobri que tinha um outro caminho e aí me perguntei o porquê de todas as mulheres não terem acesso a esse outro caminho”, conta.
Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc, uma em cada quatro mulheres sofrem violência obstétrica no país. Além disso, o levantamento da Fiocruz “Nascer no Brasil” aponta que 45% das parturientes que concebem seus filhos no SUS e 30% das que o fazem em redes privadas enfrentam o mesmo problema.
Foi a partir dessa tomada de consciência que Lettycia se envolveu cada vez mais no universo da maternidade com foco no momento do parto e pós-parto. Se formou com a plataforma Gestar sendo seu projeto de conclusão de curso. Mesmo sem investimento, lançou a startup com um objetivo claro: “eu vou transformar essa realidade que me incomoda e, sabendo de tudo que as profissionais e essas famílias precisam, vou unir num lugar só”, narra com firmeza.
O site explica seu propósito de maneira bem definida: “conectar tentantes, gestantes, puérperas e suas famílias à profissionais de saúde materno-infantil que atendem de forma humanizada”. Hoje, a empresa acumula mais de 260 profissionais profissionais parceiras, trinta especialidades e atuação online e presencial em seis países.
Texto Giulia Decker