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O desafio das empreendedoras: conciliar propósito, gestão e maternidade 

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Aos poucos, mercado se mostra mais aberto à inovação por meio da diversidade, mas empreendedoras ainda enfrentam desafios estruturais

Mulheres empreendedoras se dedicam aos estudos 16% a mais do que os homens. E, apesar do Brasil ser o sétimo país com maior quantidade de empreendedoras, elas ainda possuem um rendimento médio mensal 22% menor em comparação aos seus colegas masculinos do ramo. O levantamento, realizado pela Global Entrepreneurship Monitor (GEM) em 2019 e em quase cinquenta países, aponta uma realidade dura: a disputa das mulheres no campo do empreendedorismo permanece desigual.

Para Rafaela Bassetti, fundadora da Wishe, plataforma aceleradora das melhores startups lideradas por mulheres, a mudança desse cenário precisa vir a galope. A diversidade, na sua experiência, é propulsora para o alto rendimento de capital. Inclusive, privilegiar mulheres se mostrou uma tática de, na mesma “cajadada”, conseguir alcançar os dois objetivos. 

“Quando você tem mulheres na liderança das empresas, elas já partem de uma mentalidade de diversidade. Então elas contratam mais mulheres, mais mães, mais pessoas de outras etnias e isso monta um time muito mais capacitado para criar soluções inovadoras. Elas acabam vendendo mais, geram mais resultado e mais lucro. Como essas mulheres acabam tendo mais dificuldade no acesso ao capital, elas são muito mais conscientes na aplicação desse dinheiro.”

Esse é um pensamento que Fernanda Caloi, fundadora da TAO Bambu, empresa que vende produtos à base de bambu feitos com energia 100% limpa, compartilha. “Para resolver os problemas de todas as pessoas do mundo a gente tem que ter todas as pessoas do mundo trabalhando nos nossos produtos”, diz. Segundo ela, a promoção da diversidade proporciona um ambiente de inovação, algo que foi fundamental para a construção do seu próprio negócio, que se utilizou de novas ideias para usar a tecnologia a favor da sustentabilidade. 

As empreendedoras e a maternidade

Outro fator determinante para que pudesse continuar firme na terra instável do empreendedorismo foi se organizar com profissionais do sexo feminino que lideravam seus próprios negócios e passavam por problemas semelhantes nas construções dos seus sonhos. Para além dos desafios envolvidos na solidificação das suas startups, muitas compartilhavam uma questão que tange a vida de múltiplas mulheres: a maternidade. Esse acontecimento carrega diversas cobranças comportamentais que ultrapassam a figura executiva e interferem na taxa de produtividade do trabalho. 

“Estar em rede desde o começo foi o que me salvou, o que me ensinou mais, o que fez com que eu potencializasse tudo que eu podia fazer. Tudo que você faz é multiplicado e você não se sente sozinha naquele problema que você acha que só você tem. E aí [você] não fica nessa solidão tão grande que a maternidade nos impõe, de achar que a gente tem que ser a mãe perfeita, cuidar da casa e do marido. É uma armadilha achar que vai dar conta de tudo, ter um negócio bem sucedido, ter ideias inovadoras e ainda continuar linda.”

A dupla ou até tripla jornada de trabalho feminina se agravou na pandemia, quando as esparsas redes de apoio ficaram impossibilitadas pelo vírus. No entanto, o problema da divisão de tarefas domésticas e de cuidado com pessoas já existia. Segundo pesquisa do IBGE de 2018, mulheres ocupavam-se, em média, o dobro de horas semanais com relação aos homens nessas atividades.

Hoje, o tema ganha amplitude com sua definição: trabalho invisível. Determinado como as tarefas imprescindíveis para a manutenção do convívio social e do cuidado destinado às pessoas que necessitam de amparo integral, como crianças, idosos ou doentes, raramente é remunerado. E, mesmo que não existam regras que ditam a presença feminina nesses afazeres, é esperado que cumpram esse papel. 

A falta de suporte e até colaboração dos empregadores, empresas e parceiros de trabalho para que entendam essa demanda e lacuna social, muitas vezes sobrecarregam mulheres na tentativa de acompanhar o ritmo masculino, que não possui obrigatoriamente ocupações semelhantes.  

Conciliar maternidade com empreendedorismo

Maira Peres é um exemplo de que o mercado empreendedor não acolhe as profissionais em suas multiplicidades e não está preparado para fazê-lo. Foi dona da Diosa por seis anos, uma plataforma digital que capacitava mulheres, intermediava serviços de reformas residenciais e consertos feitos por profissionais femininas. 

“A forma como nós fomos criadas é para ser cuidadora, para querer uma família. Muitas mulheres querem realizar isso e também não vão abrir mão para conseguir pensar no lucro ou para serem só provedoras da família, porque raramente existe esse espaço”.

Além do seu desejo de ser mãe e da dificuldade de conciliar ambos, a falta de investimentos das aceleradoras que contemplassem, de fato, a entrega do seu time e os remunerasse de maneira justa foram pontos decisivos para que decidisse finalizar os serviços da startup depois da maternidade. “Vale a pena empreender quando a gente não consegue dar as condições de qualidade de vida que as pessoas precisam?”, reflete Maira.

Apesar da lacuna de investimento que as mulheres ainda enfrentam por terem suas competências subestimadas, o panorama está em evolução. A pesquisa mais recente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), apoiada por dados do IBGE, revela que as mulheres compõem 34% dos empreendedores brasileiros. Esse número, pela primeira vez em crescimento desde a pandemia, pode se mostrar como uma tendência otimista para o mercado. 

We Impact: fundo de investimento a empreendedoras

Lícia Souza, fundadora e CEO da WE Impact, o primeiro fundo de investimento dedicado a mulheres líderes de startups, acredita que o aumento da representatividade feminina criará, no mercado, uma nova maneira de empreender. A inovação, para ela, também caminha junto com a criação de ambientes de trocas mais diversos. “É super importante a gente equilibrar forças, descobrir novos talentos. Isso você não consegue fazer sem dar acesso ao capital. Investir em negócios que sejam fundados e liderados por mulheres é garantir impacto positivo no mundo”.

Texto: Maria Edhuarda Gonzaga / Entrevista: Patricia Travassos

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