Aline Poulsen usou sua experiência pessoal para criar a Zelle e facilitar a divisão de responsabilidades entre os pais
Mãe da Ana Júlia e do João Vítor, Aline Poulsen usou um momento difícil da sua vida para fazer de um limão uma limonada. Após 16 anos de relacionamento com o pai de seus filhos, ela passou pelo divórcio que acarretou consigo outra dificuldade: manter os laços de parentalidade com o ex-marido sem seguir vinculados como um casal. Isso a levou a pensar no aplicativo Zelle, que procura dividir as responsabilidades dos filhos entre os genitores.
“No divórcio, eu bloqueei meu ex-marido de todas as redes sociais, porque eu queria virar a página. Não é nem que a gente não se desse bem ou não conseguisse se falar, mas eu queria não saber nada dele, queria a conjugalidade totalmente separada da parentalidade. Só que a gente se falava todos os dias por SMS, porque temos uma guarda compartilhada bem equilibrada”, relata Aline Poulsen sobre sua própria experiência.
Do divórcio e da necessidade de cuidar dos filhos nasceu a Zelle
Com isso, lhe ocorreu um pensamento: será que não existe um aplicativo no qual eu possa colocar o compromisso de cada um dos meus filhos que sirva como comunicação com meu ex-marido? No entanto, ao pesquisar no Google, ela obteve uma resposta negativa – mesmo com o Brasil acumulando 386,8 mil divórcios em apenas um ano, segundo o IBGE. Assim, ela considerou levar a ideia adiante, apesar de ser da arquitetura e, na época, não entender nada de tecnologia.
“Eu resolvi convidar a Marília, que é uma das minhas sócias e é da área de tecnologia, para que a gente levasse o aplicativo adiante. A ideia ficou dois anos parada, até que eu comentei com uma amiga defensora pública e ela começou a me incentivar, dizendo: ‘Toda vez que eu faço uma audiência de vara de família, eu me lembro da tua ideia do aplicativo’. Aí eu resolvi levar adiante o projeto”, conta ela sobre o surgimento da Zelle.
Aline conta que foi necessário se apaixonar pelo problema que lhe estava causando dor naquele momento a fim de criar o aplicativo, que, nas palavras dela, “é literalmente um filho”, fruto desse momento extremamente delicado do divórcio. Isso a impulsionou a se aventurar na tecnologia, uma área na qual nunca tinha se visto antes, e a criar a startup – coisa que ela nem sabia o que era. No entanto, ela conta que foi possível aprender com resiliência e com um ecossistema colaborativo.
Além disso, ela usou elementos de sua experiência anterior na criação do aplicativo: da arquitetura, buscou levar seus conhecimentos para uma melhor experiência de usuário e para a criação de um design acolhedor; da maternidade, utilizou sua trajetória “liderando” duas vidas para conseguir estar à frente de uma equipe.
Apesar de sua ideia inicial ser atender a pais divorciados como uma forma de tomar conta dos filhos, Aline e sua sócia perceberam que o cuidado compartilhado poderia abranger casais que seguem juntos. Por isso, o nome do aplicativo vem da palavra “zelar”.
“A agenda de um filho é totalmente agitada. São muitos compromissos e a gente tem que equilibrar com a nossa agenda também. Então [o app] é para qualquer pai e mãe com filhos menores de idade, independente da questão conjugal”.
Durante a entrevista ao “Inovar é um Parto: Fora do Eixo”, a jornalista e diretora da série Patrícia Travassos destacou como a divisão de tarefas no cuidado com os filhos oferecida pelo Zelle pode ser benéfica às mulheres, cada vez mais inseridas no mercado de trabalho. Vale destacar que mulheres trabalham, em média, 7,5 horas a mais do que os homens por semana pela dupla jornada, segundo um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em dados do IBGE.
Zelle pelo Brasil
O aplicativo de Aline deixou a sede no Rio Grande do Sul e se estendeu a demais estados brasileiros, como Mato Grosso, São Paulo e Bahia. Além disso, ela conta que há procura para que o Zelle chegue a outros países, plano que ela pretende levar adiante. Ainda assim, ela comenta que sua maior felicidade é perceber como sua startup vem impactando as pessoas por meio de relatos.
“Uma advogada comentou que o Zelle resolveu um problema que já se estendia a mais de um ano. Nesse momento eu chorei, porque é um negócio, e a gente quer que dê certo como negócio. Mas ver que estamos impactando vidas, principalmente de crianças que nem são os nossos usuários, que vão ser acolhidas e ter aquela sensação de pertencimento em qualquer ambiente familiar que estiverem, que vão poder continuar mantendo uma relação de parentalidade, não tem preço”, conclui Aline Poulsen.
Texto: Isabella Placeres / Entrevista: Patricia Travassos
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